Segundo as informações do site Medicina SA, o câncer de próstata, uma das doenças que mais afetam homens no Brasil, revela uma realidade preocupante quando olhamos para os números divulgados pelo Ministério da Saúde e pelo DataSUS, analisados pela Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT). Anualmente, são registrados cerca de 71 mil casos dessa doença em território nacional, e a esmagadora maioria, 75% desses pacientes, depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamento. Isso significa que mais de 53 mil brasileiros diagnosticados com esse tumor maligno recorrem à rede pública. Parece impressionante, não? Agora, o dado alarmante: dos pacientes que deveriam estar em tratamento, apenas 22.541 conseguiram realizar radioterapia para câncer de próstata em 2023 no SUS. Onde estão os outros milhares que ficaram de fora?
Se você já está achando que algo não bate nessa matemática, prepare-se para uma realidade ainda mais inquietante. A radioterapia, um dos três pilares fundamentais no tratamento do câncer — ao lado da cirurgia e das terapias sistêmicas com medicamentos —, deveria ser indicada para 60% dos casos de câncer de próstata. Isso equivale a mais de 32 mil pessoas que deveriam ter acesso a esse tratamento no SUS. Mas, como fica evidente, a realidade está muito distante do ideal.
O tratamento radioterápico, que desempenha um papel crucial na luta contra o câncer de próstata, pode ser utilizado como terapia primária ou como complemento à prostatectomia radical. Ele é capaz de oferecer taxas de controle oncológico excelentes e com menos efeitos colaterais, especialmente quando utiliza tecnologias avançadas como a Radioterapia de Intensidade Modulada (IMRT). Essa técnica permite maior precisão no direcionamento das doses de radiação, poupando tecidos saudáveis, como a bexiga e o reto. No entanto, sabe o que é frustrante? Apesar de estar disponível no Brasil e ser reconhecida por sua eficiência, a IMRT esbarra em um modelo de reembolso engessado no SUS, que desconsidera a sofisticação tecnológica usada no tratamento.
Desde que o modelo de pacotes de pagamento foi implementado no SUS, lá em 2019, as coisas não mudaram muito. O sistema paga pelo tipo de tumor, independentemente da complexidade ou da tecnologia empregada. Resultado? Pacientes que poderiam se beneficiar de técnicas avançadas como a IMRT acabam recebendo tratamentos menos modernos e, possivelmente, menos eficazes. É quase como se o sistema dissesse: “Vamos tratar, mas não da melhor forma possível.”
Você consegue imaginar o impacto disso na vida de um paciente? E se fosse alguém próximo a você? A diferença que um tratamento mais avançado poderia fazer vai muito além de números: é sobre qualidade de vida, sobre menos efeitos colaterais e mais chances de cura. O próprio Dr. Elton Trigo Teixeira Leite, diretor científico da SBRT, explica que, ao oferecer tratamentos mais custo-efetivos, estaríamos não só cuidando melhor dos pacientes, mas também contribuindo para a sustentabilidade econômica do SUS.
Mas, afinal, quem deve usar a radioterapia? De acordo com a orientação da American Cancer Society (ACS), ela pode ser indicada como o primeiro tratamento para o câncer de próstata inicial, sem metástases, com taxas de cura comparáveis às da cirurgia radical. É claro que nem todo paciente precisará de tratamento imediato. Muitos são colocados em protocolos de vigilância ativa, onde exames regulares monitoram o comportamento do tumor. Só se ele evoluir para um risco intermediário, com alterações no PSA (antígeno prostático específico) ou nas características patológicas, é que o tratamento será iniciado.
E aqui vem outro ponto importante: a radioterapia não é apenas uma solução inicial. Quando o tumor já ultrapassou os limites da próstata ou invadiu estruturas próximas, como a vesícula seminal, a radioterapia pode ser combinada ao bloqueio hormonal para oferecer melhores resultados. Após a cirurgia, ela também tem seu papel: pode ser usada para eliminar células tumorais remanescentes ou no caso de recidiva bioquímica — quando o PSA volta a subir.
É interessante notar que, mesmo em situações mais complexas, como a doença metastática, a radioterapia continua sendo uma ferramenta valiosa. Seja para controle local das lesões secundárias, seja para alívio de sintomas, ela pode oferecer qualidade de vida em momentos críticos. E, em casos selecionados, até mesmo pacientes com poucas metástases podem se beneficiar da radioterapia na próstata, como apontam estudos recentes.
No entanto, toda essa eficácia e relevância esbarram em problemas estruturais. O acesso limitado a tecnologias avançadas como a IMRT não é apenas uma questão de investimento em equipamentos ou treinamento. É, sobretudo, uma questão de prioridade política e gestão de recursos públicos. Por que o sistema de saúde suplementar, que atende a uma parcela menor da população, consegue disponibilizar essas tecnologias, enquanto o SUS, que atende a maioria, continua preso a um modelo ultrapassado?
A resposta pode estar em algo que você já suspeitava: a falta de compromisso real com a saúde pública. Falar sobre modernização e eficiência é fácil, mas implementar mudanças significativas requer coragem e vontade política — algo que parece faltar em muitos gestores públicos.
E o que podemos fazer diante dessa realidade? Aceitar passivamente que milhares de brasileiros continuem sem acesso a tratamentos adequados? Ou usar nossa voz para exigir mudanças? Talvez a resposta esteja em um movimento coletivo, na pressão sobre governantes e no apoio a iniciativas que visem ampliar o acesso à radioterapia de alta qualidade no SUS. Afinal, a luta contra o câncer de próstata não é apenas médica; é também uma luta por justiça e equidade.
Portanto, na próxima vez que você ouvir falar sobre o Novembro Azul, pense além das campanhas de conscientização. Pense na importância de garantir que todos os homens diagnosticados com câncer de próstata tenham acesso ao melhor tratamento possível. Não se trata apenas de curar a doença, mas de oferecer dignidade, respeito e qualidade de vida a cada paciente. E isso, convenhamos, é o mínimo que qualquer sistema de saúde deveria oferecer.
Com informações Medicina SA