A Anvisa deu um passo significativo ao aprovar o registro de comercialização do Elevidys, uma terapia gênica revolucionária para a distrofia muscular de Duchenne (DMD). Fabricado pela Sarepta Therapeutics e comercializado pela farmacêutica Roche, o medicamento chega ao Brasil com um preço impressionante de US$ 3,2 milhões, algo próximo a R$ 19,5 milhões. O anúncio, publicado no Diário Oficial da União, marcou um marco na medicina brasileira, mas também trouxe inúmeras questões para as famílias que enfrentam a realidade dessa doença devastadora.
Se você acompanha as notícias, sabe que não é todo dia que um medicamento tão caro e inovador entra no mercado brasileiro. Mas o que isso realmente significa para quem depende de avanços médicos para sobreviver? A distrofia muscular de Duchenne não é apenas uma condição genética rara; é uma sentença de luta constante, dor e desafios imensuráveis. E, infelizmente, a batalha dessas famílias vai muito além do aspecto médico. A questão financeira, emocional e estrutural pesa tanto quanto a própria doença.
O Elevidys representa esperança, mas uma esperança com muitos “poréns”. Primeiro, a aprovação pela Anvisa veio com uma ressalva clara: o uso do medicamento é restrito a crianças de 4 a 7 anos que ainda conseguem andar sozinhas. Essa especificidade exclui muitos meninos que já perderam a capacidade de locomoção funcional. Para os pais que sonhavam com uma cura ou ao menos uma melhora significativa, essa notícia é, ao mesmo tempo, um alívio e uma faca de dois gumes. O remédio está disponível, mas será que estará acessível para quem realmente precisa?
A farmacêutica Roche, responsável pela comercialização no Brasil, afirma estar empenhada em colaborar com as autoridades para tornar a terapia viável no país. Mas como essa “viabilidade” será traduzida no dia a dia de uma família brasileira que lida com uma condição tão desafiadora? É difícil imaginar um sistema de saúde que possa arcar com um medicamento de custo tão elevado. O SUS, por exemplo, ainda precisa passar por uma série de etapas para avaliar a possibilidade de inclusão do Elevidys na sua lista de medicamentos. Entre elas, estão a definição de preço pela CMED e a análise detalhada pela Conitec. E, sejamos sinceros, sabemos que esse processo não é rápido. Enquanto isso, o tempo é um luxo que muitas famílias simplesmente não têm.
Se você nunca ouviu falar da distrofia muscular de Duchenne, aqui vai um resumo que pode mudar sua perspectiva. Essa doença genética rara afeta principalmente meninos e é causada pela ausência da proteína distrofina. Essa falha genética, transmitida pela mãe, compromete gravemente os músculos do corpo, incluindo o coração e os pulmões. Imagine uma criança cheia de energia que, de repente, começa a cair com frequência, tem dificuldade para subir escadas ou levantar do chão. Aos poucos, os músculos que antes pareciam fortes começam a falhar. Na adolescência, a situação se agrava: a respiração fica comprometida, exigindo suporte ventilatório; o coração enfraquece, demandando medicamentos cardioprotetores. É uma realidade dura, que só quem vive entende plenamente.
E é aqui que entra a promessa do Elevidys. Aplicado em dose única, o medicamento oferece um aumento da proteína microdistrofina, um substituto parcial da distrofina ausente. Estudos clínicos mostram que, em crianças de 4 a 7 anos que ainda conseguem andar, o Elevidys traz melhorias significativas na capacidade de ficar em pé, caminhar e até subir escadas. Parece um milagre, não é? Mas, como tudo na vida, há um preço – e não estamos falando apenas do valor financeiro.
Os efeitos colaterais são uma preocupação real. Entre os problemas relatados estão vômitos, náuseas, febre, trombocitopenia (redução de plaquetas) e até lesão hepática aguda. Por isso, o tratamento exige um monitoramento rigoroso, especialmente nas primeiras semanas após a aplicação. A função hepática deve ser avaliada semanalmente, um detalhe que pode escapar à percepção de muitos, mas que faz toda a diferença no sucesso do tratamento.
Além disso, o Elevidys é administrado de forma intravenosa, em ambiente hospitalar e sob supervisão de profissionais especializados. Isso significa que não é um medicamento que você pode simplesmente pegar na farmácia e administrar em casa. É uma terapia complexa, que requer estrutura, logística e profissionais altamente qualificados. E aqui, mais uma vez, surge a pergunta: quantas famílias brasileiras terão acesso a isso?
A inclusão dessa terapia no SUS ainda é incerta. Para que isso aconteça, o Elevidys precisa passar por uma avaliação rigorosa que inclui eficácia, segurança e impacto orçamentário. O custo do medicamento é um desafio monumental. Mesmo que aprovado, será que o sistema público terá capacidade de atender a todos os pacientes elegíveis? Ou será que veremos famílias desesperadas, recorrendo à justiça para garantir o acesso a um tratamento que pode mudar vidas?
E falando em vidas, é impossível não pensar nas crianças que já ultrapassaram os 7 anos e perderam a capacidade de locomoção funcional. Para elas, os dados sobre a eficácia do Elevidys são limitados. Isso significa que, por enquanto, esse grupo não será beneficiado pela nova terapia. Imagine a dor de um pai ou uma mãe ao ouvir isso. A esperança, tão próxima, acaba se transformando em frustração.
Mas nem tudo é desespero. Há outros 16 medicamentos em desenvolvimento para tratar a distrofia muscular de Duchenne. Cada um deles representa uma nova chance, um novo caminho. O que precisamos, como sociedade, é garantir que esses avanços cheguem de forma justa e acessível a todos que precisam. Não basta celebrar uma aprovação no Diário Oficial; é preciso garantir que essa aprovação se traduza em tratamentos reais, disponíveis e eficazes para as famílias que enfrentam essa luta.
Se você chegou até aqui, talvez esteja se perguntando: “O que eu posso fazer?” A resposta não é simples, mas começa com a conscientização. Conheça, compartilhe e defenda causas como essa. Cada voz importa. Cada ação conta. O Elevidys é um marco, mas também um lembrete de que a ciência avança, mas as barreiras sociais e econômicas ainda persistem. A pergunta que devemos fazer não é apenas “o que é possível?”, mas “o que estamos dispostos a fazer para tornar o impossível realidade?”.
Com informações Folha de S.Paulo